sábado, 22 de novembro de 2008

História em construção - Parte 7

Por Manuela Crespo

Augusto nessa noite caiu em desânimo. Perpassaram-lhe pela memória episódios da sua vida em imagens sucessivas, como num filme.
A Índia, aqueles dias negros. O cheiro das especiarias ainda hoje lhe fazia suores frios. A fuga súbita e desvairada para Paris. O “material” escondido em locais impensáveis. A perseguição por causa das malditas, ou melhor benditas pedras, que cegavam de ganância todos os que para elas olhavam. Mas ele era o maior. Tinha conseguido levar as pedras para Paris em plena guerra. Enganara gregos e troianos aliados e nazis. Trocara as voltas a todos com a sua beatice, com as suas relíquias verdadeiras de São Pedro, mais o nicho de fundo falso. Hoje já ninguém iria naquela conversa.
Depois conhecera a Elvira em Paris e a sua vida dera uma volta de 180 graus. Nunca mais quis saber de esquemas, de trapaças, aldrabices , falcatruas, fanfarronices. Hoje, era um homem respeitado, não o fedelho que dali saíra com uma mão atrás e outra à frente, a jurar que ia vencer na vida. E depois tivera aquele golpe de génio: oferecer o ovo de porcelana Limoges, já na altura uma preciosidade, à Elvira como prova do seu amor. Fora fácil para ela traze-lo para Portugal na maior das inocências, sem ao menos suspeitar do seu recheio. Logo na altura em que muita gente o começou a rondar... Se não fosse aquele ovo não poderiam ter tido, nunca a vida desafogada que gozaram desde então, nem aquela mansão, luz dos seus olhos e motivo de admiração da vila inteira. Nem nunca teria tido a respeitabilidade de que gozava nos dias de hoje. Pelo sim pelo não fizera soar por aí que lhe tinha saído por duas vezes a sorte grande, só para calar as bocas maldizentes, que por vezes se levantavam e inquiriam a origem de tanta abastança. Assim, ninguém estranhava e até faziam fila para serem prestáveis.
E porquê agora, ao fim de tantos anos? Porque teimava a vida em andar para trás? Em exigir o resgate daquela beatitude.
E porque telefonara agora o Joaquim, com aquelas falinhas mansas que o deixavam gélido e ao mesmo tempo destemperado. Já o tinha dado como morto, falecido, enterrado e afinal, ei-lo aqui ressuscitado do mundo das almas penadas, com exigências, como se ele Augusto, o bem-aventurado, o escolhido de Deus pudesse ser importunado daquela maneira. Era o que faltava. Passaria a dormir com a sua pistola de madrepérola, jóia da Índia, junto ao coração. E quanto às pedras … agora já estavam em lugar seguro.
Só faltava descobrir quem era o traidor que tinha dentro de casa!

Um comentário:

Helga disse...

Muitos parabéns Manuela!!! Não estava à espera que conseguisse mudar tanto o tipo de texto a que já nos temos vindo a habituar. A tarefa de continuação era complicada... Ficou óptimo!!