terça-feira, 18 de novembro de 2008

História em construção - Parte 6

Por Helga Costa

Por momentos ali permaneceu, estaticamente absorto nos seus pensamentos. Avizinhava-se a hora de agir, e, desta vez, não podia falhar. Tinha que encontrar o plano infalível. Tinha! Tinha! Apenas porque tinha. A arma aparentava saúde, a mesma dos seus tempos jovens de pistoleira guerreira. Respirou fundo, como quem se prepara para uma prova de fogo, deixando escapar um ligeiro suspiro indignado de preocupação. E foi aí que lhe quebraram o raciocínio.
“Augusto!?”
Virou-se repentinamente e atabalhoado escondeu a arma por detrás das suas costas, sem conseguir evitar um estrondo provocado pelo encontrão que deu na escrivaninha preciosa. Mas sorriu para a mulher que se afigurava na entrada da porta do escritório, pois não podia, assim de repente, mudar o seu habitual ar paciente e condescendente. Apresentava-se o tio Augusto calmo e simpático de sempre, embora por dentro o corroesse uma ansiedade imprescutável e um medo avassalador de saber como decorreria o embaraço.
“É uma chamada para si!”. Não dirá nada? Perguntava-se, hesitando infantilmente sobre o que dizer. Pigarreou... “Sim, Bernarda, sim... Já aí estava há muito tempo? Estava aqui tão distraído que nem a ouvi chegar...”, foi o que conseguiu responder, e perguntar, sem conseguir evitar a questão nem o risinho nervoso no final das palavras proferidas. Porém, a mulher não lhe saciou a curiosidade. Por esta altura já lá ia, avisando no telefone que esperassem só mais um momento.
Arrumou a arma novamente no seu esconderijo e dirigiu-se, decidido, à sala onde se encontrava o telefone. “Estou!” Aguardava uma voz do lado de lá, que teimava em não se desvelar. “Estou sim!... Quem fala? Está aí alguém?”...
Entretanto, no seu quarto, a tia Elvira estava já enfiada na cama, petrificada com o gravíssimo acontecimento. Tão incrédula, tinha culminado numa apatia traumática e teve de ser a Bernarda a ajudá-la a ir deitar-se e a fazer um comunicado a todos: “A tia Elvira está indisposta e teve que se ir deitar. Agradece as vossas presenças, mas não vai poder voltar a reunir connosco hoje.” Disse-o assim, secamete, sem expressão, sem delongas, sem qualquer tipo de salamaleques.
Com pesar, os convidados despediam-se todos, num burburinho fofoqueiro de lamentos e adeus. O silêncio irrompeu após um novo grito, vindo algures de alguma ala da casa. O espanto ficou estampado em todas aquelas caras conhecidas, muitas bocas abertas e um olhar que pergunta: “mas o que é que foi agora?”.
Era o Tio Augusto. Aos poucos, os convidados que ele julgava já idos foram chegando à sala onde se encontrava ele e o telefone. E o cenário era aterrador. O Tio Augusto, em fúria, destruía o mais que podia o telefone, atirando-o contra o chão, pontapeando-o rebeldemente e grunhindo palavras tresloucadas, irritadas e injuriosas, vários decibéis acima do comummente considerado grito, contra um tal de “canalha” que lhe havia telefonado. Era consternador ver o tio transformado daquela forma, possuído por um demónio irado e perigoso, o que causou uma estranheza especial por ser o caloroso tio Augusto.
Naquela altura, eu não conseguia entender o que se passava naquela casa. Tudo sempre me tinha parecido tão normal, tão ordenado. Aquele súbito caos implicava uma série de perguntas soltas que ninguém tinha coragem para fazer. Eu tinha que desvendar todos os mistérios. Não conseguia descansar enquanto não descobrisse tudo. Alguém tomou a iniciativa de nos mandar todos para casa. Já era tardíssimo e, além disso, não havia por que não deixar espaço para que o Tio Augusto e a Tia Elvira resolvessem internamente os seus problemas.
No caminho para casa ninguém se atreveu a puxar conversa. Cada um falava para dentro, consigo próprio, certamente assimilando os acontecimentos daquela noite sórdida. Uma série de imagens desenrolavam-se na minha cabeça e a minha memória insistia em não me dar nenhum detalhe que pudesse servir de pista. O que poderia ter causado tamanho desnorte naquela casa? O que escondem eles de nós?

2 comentários:

Daniel Escobar disse...

Muito bom, Helga! Na minha opinião você fez um ótimo trabalho com o tio Augusto, que a Ana havia iniciado no capítulo anterior. Cada vez mais temos personagens mais e mais ricos para trabalhar! Parabéns!

Já estou ansioso pela continuação!

Anônimo disse...

eu também estou "em pulgas"
Está fantástico
manuela