sábado, 1 de novembro de 2008

História em construção - Parte 3

Por Manuela Crespo

Naquela noite atravessámos a ladeira que separava a nossa porta da deles debaixo de uma revoadas de folhas outonais, que rodopiavam enlouquecidas ao som dos rufões do vento e do tamborilar da chuva. As noites de trovoada em Porto de Mós eram sempre magnificas. Aninhada num alvéolo rodeado de três serras austeras, os raios e coriscos caíam em seu redor, acompanhada de saraivada de chuva, ventos ululantes, numa dança dantesca, luzes estroboscópicas e rufar estrepitoso de tambores. Nem todos os espíritos se alegravam com esta festa. Mais uma vez a minha irmã Catarina ficou em pânico e recolhia-se o mais depressa que podia em local resguardado de preferência sem janelas.

Daquela vez o céu excedeu-se e desabou em cima das nossas cabeças. Apesar dos escasso metros a percorrer, encharcadas chegamos pois, a casa da tia Elvira, eu e a Catarina. A Bernarda recebeu-nos com um toalhão aquecido, ordem expressa da patroa, e esfregou-nos vigorosamente. Oh!, como odiávamos aquela Bernarda. Mal pudemos, fugimos da sala da cerimónia para os loucos e secretos locais em que aquela casa gigantesca era pródiga. Pouco depois chegou o resto do bando, inconfundíveis, pelo tropel de gado com que sempre se apresentavam. Cheirávamos todos a mofo, nós e a casa o que nos dava uma sensação de fusão com a tempestade. O ambiente apesar de tudo era de festa. Grandes correrias nos corredores, gargalhadas irrompiam aqui e ali fundindo-se no tilintar de copos e talheres ao longe.

Foi então que fomos todos chamados ao salão do chá por uma voz gritante, alterada, a raiar a histeria. Era a tia Elvira, ela mesma. Desta vez não se fizera substituir pela Bernarda . O caso era mesmo sério.

Quando lá chegamos, de supetão ficamos todos extasiados com a imagem que se nos deparou:

O Ovo da tia Elvira jazia caído e quebrado em quatro bocados no meio do chão. De dentro dele jorravam pequenas pedras rubinaceas como um rio sangrento.. Não conseguíamos tirar o olhos dos seus laivos de sangue. O brilho sanguinolento das pedras era hipnotizante. Era como se uma catástrofe tivesse acabado de acontecer! Era com certeza pelo menos um presságio…

Logo de seguida atraídos pela gritaria chegaram os nossos pais. Todos se quedaram boquiabertos qual aves canoras, perante tal contemplação. Escutava-se uma orquestra de murmúrios inarticulados de deslumbramento, aflição, lamentos e consolação . A Tia Elvira chorava e alguns olhos miravam cobiçosamente os pequenos rubis espalhados na carpete.

De onde vinham aqueles rubis? Quem os pusera dentro do ovo?

A tia Elvira lacrimosa, só queria saber:

- Quem partiu o meu ovo?

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